Era uma vez uma cidade muito gelada, como gelada também era a relação entre os seus habitantes.
Viviam isolados, cada qual em sua própria casa, indiferentes aos demais.
Um dia, um mendigo chegou à cidade.
Sofrendo com os açoites do vento e com a fome que lhe castigava o estômago, ele bateu na porta de uma daquelas casas.
Mal a porta se abriu, uma voz rouca espantou o pedinte, que pensou muito antes de bater na próxima casa.
Foram mais gritos e xingamentos.
Quando se levantou para seguir seu caminho, em busca de uma cidade mais acolhedora, percebeu que havia uma porta entreaberta. Era a porta do templo que se abria e fechava com o movimento do vento.
Foi entrando devagarinho...
Encontrou o guardião do templo e seu ajudante, ambos congelados pela mesmice daquela cidade cinzenta e fria.
Cumprimentou, limpou a garganta, provocando um ruído forçado, tentando obter alguma atenção. Tudo em vão.
Então, ele falou bem alto:
Que pena que não poderei fazer aquela sopa quentinha, para espantar o frio e matar a fome.
Sopa?!, falou interessado o velho guardião.
Sim, eu sei fazer uma deliciosa sopa de botão de osso. São necessários seis botões, mas eu tenho apenas cinco.
Eu não tenho nenhum botão de osso. Foi a resposta.
Mas o alfaiate poderá nos ajudar, interveio o ajudante, animado.
A vontade de tomar uma sopa quentinha fez com que buscassem o alfaiate.
Ali também morava a má vontade, que somente desapareceu com a palavra mágica: sopa.
Ele providenciou o botão, com uma condição: iria junto para ver o milagre da tal sopa.
O mendigo pediu também uma colher de pau, uma panela grande, uma faca, e outras coisinhas mais...
E foi assim que o guardião do templo, seu ajudante, o alfaiate e sua sobrinha saíram pelas ruas, batendo de porta em porta para pedir os utensílios necessários para se fazer a sopa de botão de osso.
Uma a uma, as pessoas foram se juntando, na praça, até que tudo havia sido providenciado.
O mendigo provou e disse que a sopa estava boa mas, poderia ficar ainda melhor se alguém trouxesse um pouco de cenoura, repolho, sal, pimenta, alho, e outros ingredientes.
As pessoas se lembravam que tinham alguma coisa em suas despensas. E mais e mais ingredientes foram surgindo.
E todos que foram se achegando, trazendo algo mais para tornar a sopa mais substanciosa, mais deliciosa, foram se olhando, trocando ideias sobre o resultado daquela movimentação toda.
A sopa ficou pronta. Todos se serviram. Mais de uma vez.
Surgiu até alguém para tocar um acordeão e o povo dançou e dançou, a noite toda.
No dia seguinte, não faltaram portas se abrindo para o mendigo se abrigar do frio.
Como ele tinha que seguir o seu caminho, despediu-se e se foi, não sem antes deixar os botões milagrosos para que aquela população pudesse continuar fazendo a sopa.
Muito tempo se passou. Os botões foram se perdendo, um a um...
Mas todos já haviam descoberto que o verdadeiro milagre não estava nos botões, e sim na solidariedade que agora reinava entre eles.
Esse fora o maior milagre realizado pela sabedoria de um mendigo.
Redação do Momento Espírita, com base
no livro Sopa de botão de osso, de
Aubrey Davis, ed. Brinquebook.
Em 22.1.2024.
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