Naquela manhã do mês de setembro, o dia amanheceu nublado, como se já antevisse que aquele seria um dia de despedidas.
A chuva fria e o vento insistente faziam crer que o inverno não cederia lugar à primavera que o calendário anunciava para o dia seguinte.
A família se revezava, há dias, junto ao leito de dor daquela matrona que se despedia de cada ente caro com um sorriso sereno e confiante.
A falência dos órgãos vitais era inevitável. O atendimento por parte dos médicos e enfermeiros se intensificava. Exames e mais exames denunciavam que o fim estava próximo.
Era chegada a hora de fechar a mala e retornar para casa. Para a Pátria Espiritual, de onde partira há pouco mais de oitenta janeiros, a fim de cumprir mais uma etapa no corpo físico.
Os compromissos assumidos antes do berço não eram poucos, nem fáceis. Deveria trazer ao mundo nove filhos. E os trouxe.
Deveria enfrentar todos os tipos de dificuldades que uma dona de casa do início dos anos vinte enfrentaria. E os enfrentou.
Jamais pensou em si mesma. Dedicou-se com todo carinho aos filhos e ao esposo.
A enfermidade deveria seguir seus passos por toda a existência, como monitora atenta diante do aluno que está em prova.
Tinha a certeza de que para sentir o perfume das rosas é preciso suportar os espinhos...
Quando o medo e a insegurança visitaram-lhe a intimidade, ela teceu a confiança com os fios invisíveis da oração sincera.
Quando o trabalho árduo exigiu suas forças, ela não lhe negou dedicação com valentia.
Quando a loucura se instalou em sua mente, como mensageira da Justiça Divina, ela dobrou-se ao único tratamento disponível à época, sem reclamar, mesmo afastada dos filhos queridos.
Enquanto a solidão e a saudade lhe dilaceravam o coração de mãe, ela lançava ao solo as sementes da renúncia, confiante num amanhã mais feliz.
Quando as densas nuvens da tristeza pairavam sobre sua cabeça, ela abria brechas de luz para que o otimismo pudesse penetrar.
Diante da dor, ela sorria...
Diante da infidelidade dos amores, ela exercitava o perdão...
Diante da indiferença, ela silenciava.
Quando a doença lhe tirou o direito à voz, ela treinou abnegação...
Quando a impediu de andar, ela ensinou a paciência.
Quando se tornou fisicamente dependente, aceitou ajuda com humildade.
E, quando a morte, qual hábil cirurgiã, apresentou-se para libertá-la do corpo enfermo e debilitado, ela se entregou sem resistência.
Foi assim que aquela guerreira anônima partiu... sem alarde nem honrarias... mas cercada do mais puro afeto dos familiares bem-amados.
* * *
A chuva fria e o vento insistente faziam crer que o inverno não cederia lugar à primavera que o calendário anunciava para o dia seguinte.
Mas a primavera sempre chega...
Naquele dia, a velha guerreira pôde dizer: Meu dia de trabalho acabou.
E, como uma ave cativa, libertou-se da gaiola e rumou para casa, levando na bagagem uma soma imensa de provas superadas.
Ela estava certa de que o túmulo não é um beco sem saída. É apenas uma passagem, que se fecha ao crepúsculo e a aurora vem abrir novamente.
Os familiares se despediram, sem desespero nem revolta, pois era assim que ela queria. Foi esse o exemplo que ela deixou para ser seguido.
Redação do Momento Espírita.
Em 07.06.2010.