Quem passou pela vida em branca nuvem.
E em plácido repouso adormeceu,
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem, e não homem,
Só passou pela vida, não viveu.
*
O poeta expressou em poucos versos a grande verdade: a vida não é indolor.
Podemos olhar para quem tenha muito dinheiro, fama, sucesso e pensar que tudo lhe sorri.
No entanto, desconhecemos seus problemas íntimos, perdas que tenha sofrido, as lutas para alcançar o patamar em que se encontra e ali se manter.
As horas de ensaio, a superação de dores físicas ou morais para não cancelar o próximo show.
Sorrisos no palco, dança, canções. Mas, quando todos se vão, quando acaba a apresentação, quando cessam os aplausos, o que resta?
Recordamos de um orador que, certa feita, nos disse que depois da ovação na oratória, dos tantos autógrafos nos seus livros, quando ele voltava para sua casa, fechada a porta, estava sozinho.
Ele não tinha ninguém. Ninguém com quem compartilhar o café, o lanche, as impressões de tudo que sentira e vivera naquelas horas.
Não tinha quem lhe pudesse preparar um chá, pôr a mesa, dirigir-lhe uma palavra.
Por vezes, nós nos dizemos cansados da família. São tantas tarefas, problemas e ruídos quando desejaríamos ter um pouco de sossego.
Contudo, alguém enfrenta a quietude de um apartamento a sós. Seus amores se foram. E somente a sombra do silêncio lhe recebe os lamentos da alma, e enxerga as lágrimas que verte.
Viver é um desafio constante: lidar com o inesperado desagradável, o sonho desfeito ou nunca concretizado.
Algumas dores são tão profundas que, como disse alguém, nem as quatrocentas mil palavras da língua portuguesa conseguem expressar.
Mas, afinal, para que serve a dor?
Escreveu um filósofo poeta: para polir a pedra, esculpir o mármore, fundir o vidro, martelar o ferro.
Serve para edificar o templo magnífico, onde se combinam todas as artes para exprimirem o divino.
A dor é um meio de que usa o poder infinito para nos chamar a si e, ao mesmo tempo, tornar-nos mais rapidamente acessíveis à felicidade espiritual, única duradoura.
É o processo pelo qual passa o bloco grosseiro que, para mostrar a perfeição da estátua que oculta em seu interior, sofre os golpes duros do cinzel do escultor ou o vagaroso e persistente trabalho do buril.
Um amigo nos confidenciou que observara que, quando estava passando por sérios problemas, sofrendo duras provações, produzia textos mais belos e profundos.
O homem precisa do sofrimento como o fruto da vinha precisa do lagar para que se possa extrair o suco precioso.
Para que triunfe o espírito, rebentando em sublimidade, para que o poeta ache os acentos imortais, o músico os suaves acordes, o coração precisa do aguilhão do luto e das lágrimas, da ingratidão, das traições da amizade, das angústias.
A dor é uma bênção, diz um benfeitor espiritual, que Deus envia aos Seus eleitos.
Então, não a procuremos, mas, quando ela se apresentar, tiremos dela todo o proveito que pode nos oferecer ao Espírito e ao coração.
Redação do Momento Espírita, com transcrição dos versos do poema
Ilusões da vida, de Francisco Otaviano e com base na parte 3,
cap. XXVI e XXVII do livro O problema do ser, do destino e da dor,
de Léon Denis, ed. FEB.
Em 22.2.2025
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