Momento Espírita
Curitiba, 22 de Novembro de 2024
busca   
no título  |  no texto   
ícone A alma perdida

Uma história fala de um homem que trabalhava sem descanso, sempre com pressa.

A vida seguia. Ele dormia, comia, jogava tênis, trabalhava. Mas não via graça em nada.

Ele tinha a impressão de que tudo à sua volta ficara plano, sem encanto algum, como se ele se movimentasse numa folha quadriculada e vazia de um caderno de matemática, coberta por quadradinhos iguais e onipresentes.

Um dia, depois de uma viagem, quando ele mal podia respirar dentro de mais um quarto de hotel, já não sabia onde estava, o que fazia ali e nem qual era o seu nome.

Era como se não houvesse mais ninguém dentro do seu corpo...

Procurou uma médica, que lhe foi indicada. Tratava-se de mulher idosa e sábia daquela região.

Depois de examiná-lo e ouvir as suas queixas, ela lhe disse algo que mudaria toda a sua vida:

Se alguém pudesse nos olhar do alto, veria que o mundo está repleto de pessoas que andam apressadas, suadas e exaustas.

Também veria suas almas, atrasadas e perdidas no caminho por não conseguirem acompanhar seus donos.

Isso cria uma grande confusão. As almas perdem a cabeça e as pessoas deixam de ter coração.

As almas sabem que ficaram sem seus donos, mas as pessoas muitas vezes nem sequer percebem que perderam a própria alma.

Como é possível? Será que eu também perdi minha alma? Perguntou ele.

A ponderada médica respondeu:

Isso acontece porque a velocidade com que as almas se movimentam é muito menor do que a dos corpos.

Escute. Você precisa achar um lugar só para si, sentar-se e aguardar com paciência a sua alma. Não vejo outro remédio.

O homem estava em estado de choque.

Saiu do consultório, alugou uma casinha pequena nos arredores da cidade e, todos os dias, passou a se sentar numa cadeira, esperando.

Simplesmente esperando.

Passaram-se dias, meses e muitas coisas começaram a surgir em sua mente. Lembranças de como sua vida era antigamente, lembranças da infância, quando tudo era mais simples.

Barba e cabelo cresceram.

Um lugar só para si.

Foi então que, numa tarde, alguém bateu à porta. E quando ele a abriu, viu na soleira a sua alma perdida. Estava cansada, suja e arranhada.

Finalmente! - Disse ela, sem fôlego.

Ele observou que ela tinha as mesmas feições dele quando menino.

Desde esse dia, tudo passou a ser diferente.

O homem começou a prestar muita atenção para não fazer nada numa velocidade que sua alma não pudesse acompanhar.

Enterrou no quintal todos os seus relógios e suas malas de viagem.

Dos relógios, nasceram belas flores coloridas. E das malas, brotaram grandes abóboras com as quais ele se alimentou durante todos os invernos tranquilos que se seguiram.

*   *   *

Esta história se chama A alma perdida. É da escritora polonesa Olga Tokarczuk, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2019 e leva-nos a refletir:

Quantas vezes nos perdemos de nossa alma? Quantas vezes nos perdemos de nós mesmos?

Precisamos muito desse lugar só para nós, o lugar do autodescobrimento. Não sendo assim, a vida perde o sentido.

Pensemos nisso!

Redação do Momento Espírita, com base na obra
A alma perdida, de Olga Tokarczuk, ed. Todavia.
Em 7.5.2024

 

Escute o áudio deste texto

© Copyright - Momento Espírita - 2024 - Todos os direitos reservados - No ar desde 28/03/1998