Eram dois irmãos que se amavam. André era o ídolo do irmão menor, Gabriel. Tinham longos papos, falavam de tudo e sobre tudo.
O pai, no entanto, tinha olhos somente para André. Jogador de futebol, trazia glória para seu currículo de pai.
Acompanhava todos os jogos e os comentava, no lar e com os amigos. Aquele filho era o seu tesouro.
Um dia, de forma abrupta, um acidente de trânsito roubou a vida desse tesouro.
A mãe não conseguiu administrar a perda. Quatro meses depois, ainda se movimentava como se fosse um autômato. Não prestava atenção ao seu entorno, esquecera que tinha outro filho para amar e zelar.
Para ela, a vida se encerrara ao entregarem à terra o corpo do seu menino de dezenove anos.
O pai reagira com raiva surda, que extravasava por tudo e por nada.
Gabriel se tornara invisível. Não era visto, não era ouvido. Sofrendo terrivelmente a ausência do irmão querido, amargando saudades, queria ser abraçado, acolhido. Sem chance.
Certo dia, voltando da escola, desejando quebrar o clima de tristeza, mostrou a medalha que ganhara em concurso literário, na escola.
Que importância tem isso? - Foi o que lhe disse o pai. Para que serve escrever histórias? Por acaso pensa que isso fará de você um homem de valor?
Você é um inútil, não sabe fazer nada. Não serve para nada. Você é quem deveria ter morrido!
Gabriel sentiu como se fosse esbofeteado, pisado, esmagado.
E foi para seu amigo, Cris, de doze anos, como ele, que confidenciou sua amargura e seu desespero.
Repetiu as palavras ouvidas e deixou que a fonte das lágrimas lhe lavasse a alma e a face.
Cris era dessas almas sofridas, amadurecido num lar em que faltava o pão do corpo e do Espírito.
Abraçou Gabriel, deixou se esgotarem as lágrimas da desesperança e depois falou:
Você tem muito valor. Deus deu a você o dom de contar histórias. Se seu pai não vê isso, é porque não tem sensibilidade.
Não se deixe abater. Continue escrevendo. Use o talento que tem. Você poderá se tornar um grande escritor. Sabe como são raros os bons escritores?
Aqueles que manejam as palavras, criando imagens para os leitores. Aqueles que descrevem um poente de ouro, uma noite de estrelas, uma lua de prata com sinais gráficos, que dançam aos olhos de quem lê.
Vinte anos depois, casado, com uma carreira de sucesso, Gabriel colocou nas páginas de um livro a história de uma amizade, que atravessou o tempo.
Uma amizade inesquecível, assinalou, nas linhas finais. Afinal, quem teve um amigo tão valioso como Cris, aos doze anos de idade?
* * *
Existem pessoas que enxergam além do comum e descobrem pedras preciosas entre o cascalho do cotidiano.
Existem outras, insensíveis, que nada veem que não reluza como ouro, que não produza recursos amoedados.
Há pessoas que têm o condão de promover as outras, de incentivá-las a concretizar seus sonhos e a sonhar grande.
Nada pequeno, minúsculo, porque, afinal, o Pai que nos criou é o dono de todas as potencialidades, de todas as coisas, de todo o Universo.
Estimulante ouvir essas pessoas, que adoçam suas palavras com a credencial do afeto.
Redação do Momento Espírita, com base em
cenas do filme Conta comigo, de Stephen King.
Em 12.3.2024.
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