Momento Espírita
Curitiba, 22 de Novembro de 2024
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ícone Um amor para muitas vidas

Camões, em belíssimo soneto, relata a história do personagem bíblico Jacó.

Precisando se exilar, ele foi para as terras de seu tio materno, chamado Labão. Assim que viu uma das filhas dele, Raquel, por ela se apaixonou, perdidamente.

Para obter o consentimento de tê-la como esposa, ele se dispôs a servir a Labão, durante sete anos.

No entanto, após esse período, o tio lhe deu a primogênita, Léia, para o matrimônio.

Registra Camões o desencanto do pastor que, vendo que assim, de forma enganosa, lhe era negada a sua pastora, começou a servir outros sete anos, dizendo: Mais servira se não fora para tão longo amor, tão curta a vida.

O personagem é bíblico, a poesia traduz amor. Mas, existirá, um amor que espere tanto tempo?

Uma médica conta que atendeu, em seu consultório, um casal, ambos na casa dos oitenta nos.

Quando ela deu a notícia de que a esposa era portadora de câncer avançado de pulmão, viu as lágrimas percorrendo caminhos entre as rugas profundas, enquanto dizia o marido:

Tão pouco tempo com você. Mas cada minuto vale, para sempre.

Num primeiro momento, a médica imaginou que ele estaria se referindo ao pouco tempo que ainda estariam juntos.

Então, soube que eram casados há apenas dois anos.

O esposo contou que conhecera a atual esposa quando eles tinham vinte anos. Moravam na mesma rua. Ele era casado, ela também.

Quando a viu, pela primeira vez, se apaixonou. Mas, guardou o sentimento em seu coração para honrar o laço matrimonial.

Durante anos, sofreu em silêncio. Aos setenta e oito anos, enviuvou. Dois anos depois, o marido dela morreu.

Ele aguardou um ano, o que considerou respeito ao luto. Então, se aproximou e passaram a conversar todos os dias.

Quando ele disse que a amava, para sua surpresa, descobriu que esse era igualmente o sentimento dela, desde a juventude.

Casaram-se octagenários. E ele, semelhante a Jacó, confessou: Posso dizer com toda a certeza: eu a esperaria por quantos anos ou quantas vidas fossem necessárias para ter um único dia de amor com ela.

Agradecia a Deus ter tido dois anos ao lado da mulher que sempre amara. E se propôs a cuidar dela, cada hora que Deus permitisse que ele se visse refletido nos olhos dela.

Com tratamento radioterápico, ela viveu por mais seis meses. Fragilizada, continuou a ser profundamente amada por seu companheiro.

Nada alterou o olhar amoroso dele: rugas, deformidades, cabelos brancos emaranhados, fraldas, cansaço.

Ela morreu numa noite enluarada, em sua casa, sem desconforto físico algum, de mãos dadas com seu amor. Ele se despediu dela com serenidade:

Vai, minha amada. Vai tranquila. Lembra que você transformou a minha vida, que ficou linda depois de sua chegada.

Eu vou ficar bem. Saudoso, mas sempre feliz por ter encontrado e amado você.

Lembramos Camões em outro soneto de amor:

Alma minha, gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida descontente;

Repousa lá no céu eternamente

E viva eu cá na Terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste;

Memória desta vida se consente,

Lembra-te daquele amor ardente

Que já nos olhos meus tão puro viste.

Um amor para muitas vidas.

 Redação do Momento Espírita, com base na parte III, do livro
Pra vida toda valer a pena viver, de Ana Claudia Quintana Arantes,
 ed. Sextante e em sonetos de Luís Vaz de Camões.
Em 11.8.2022.

 

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