Quem de nós, algum dia, por alguma situação, não sentiu muita revolta?
Revolta em que se misturam raiva, mágoa, e, por vezes, um desejo de vingança.
A vingança, dizem, é um prato que se come frio.
Isso quer dizer que deve ser bem elaborada. Equivale a ocupar os espaços sagrados do coração com um sentimento que somente infelicita a quem o carrega.
Precisamos aprender a não guardar rancor e nem arquitetar vingança.
Afinal, quem nos ofende, quem nos agride, nem sempre entende que o fez. Quase sempre, a pessoa é tão infeliz, que fere, sem mesmo se dar conta.
E aqueloutros que apreciam fazer o mal, depreciar o semelhante, por pura maldade, não são menos infelizes. Afinal, tudo o que fazemos de mal ao outro, se constitui em nosso débito perante a Lei Divina.
Mais dia, menos dia, a dívida deverá ser saldada. Por isso, a recomendação do Cristo de se perdoar setenta vezes sete vezes.
E, ao estabelecer a norma, não disse que deveríamos perdoar somente a alguns.
Apresentou a diretriz, para todos, de forma indistinta.
Seu ensino tem a ver com paz de espírito, com não criar vínculos de ódio, com sermos livres, vivermos com o que nos felicita a vida.
Existem, no entanto, algumas pessoas que têm uma forma peculiar de arquitetar a sua vingança.
Lembramos da ginasta húngara que, aos dezesseis anos, se preparava para as Olimpíadas.
A de 1944 fora suspensa, em função da guerra. Isso lhe deu maiores esperanças de conseguir se qualificar para representar o seu país, na ginástica olímpica, depois do conflito mundial.
Ela pensou que teria mais tempo. Adolescente, nem avaliou as tristes condições que a guerra fomentava. Embora as tantas sanções que, como judeus, sofriam ela e sua família, tudo ainda lhe parecia distante.
Ela disfarçava a estrela amarela, que devia trazer ao peito, por baixo do casaco.
Confiante em sua treinadora, pensava que se conseguisse absorver tudo o que ela tinha para lhe ensinar, grandes conquistas a aguardariam.
Quando a treinadora a chamou, para conversar a sós, ficou exultante. Será que ela percebera o quanto tinha melhorado no salto?
Será que iria lhe dizer que gostaria que liderasse a equipe nos treinos?
Foi assim, entre expectativas, que a ginasta observou o rosto da treinadora, iluminado por aquele pôr do sol e ouviu:
Edite, sinto muito. A decisão não foi minha. Preciso lhe dizer que sua vaga na equipe de treinamento olímpico vai para outra pessoa.
Como assim? O que foi que eu fiz? - Foi a reação da jovem.
A verdade simples é que por causa da sua origem judia você não está mais qualificada.
Enquanto Edite procurava se recuperar da surpresa, ainda ouviu:
Gostaria que você treinasse a garota que a substituirá na equipe.
Então, Edite elaborou a sua grande vingança.
Mostraria que ela era a melhor. A atleta mais talentosa. A melhor treinadora. Prepararia a sua substituta tão bem que provaria a todos o erro que cometeram ao cortá-la da equipe.
Não seria uma vingança de ódio. Seria uma vingança de perfeição. Uma vingança construtiva.
Pensamos nisso, alguma vez?
Redação do Momento Espírita, com base em fatos colhidos
no cap. 1, do livro A bailarina de Auschwitz, de Edith Eva Eger,
ed. Sextante.
Em 14.3.2022.
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