Meu pai, lembro-me dos dias festivos quando, ao chegar em sua casa, você me recebia cheio de alegria, com aquele sorriso estampado no rosto, marca registrada de seu contentamento com a vida.
Sentávamos no quintal e, naquelas singelas conversas regadas ao cafezinho que você tanto apreciava, fazíamos planos, compartilhávamos ideias, discutíamos assuntos variados.
Tantas vezes você consolou meu coração, ouviu-me e aconselhou-me, frente aos desafios que este planeta-escola nos oferece.
Para cada situação, você me oferecia alento. De seu verbo, nenhuma palavra negativa. Tudo era incentivo.
Pelos seus olhos, eu seria capaz de conquistar o mundo, de vencer todas as batalhas, de superar toda e qualquer dificuldade.
Quando eu vacilava, por vezes, subestimando as capacidades que Deus a todos nos concede, lá estava você, minha fortaleza, meu refúgio.
Relembrava-me das adversidades de minha infância. As condições materiais eram mínimas, as lutas, infindáveis. No entanto, juntos as superamos.
Você buscou sempre me proporcionar o que havia de melhor. Mesmo cansado de dias seguidos de trabalho, nos finais de semana, levava-me aos parques públicos, brincava comigo, ensinava-me a soltar pipa, a andar de carrinho de rolimã.
Tudo era tão simples, pai, e tão grandioso. Ao seu lado, aprendi que riqueza nada tem a ver com o saldo de nossa conta bancária e que felicidade não se compra. Antes, é um estado de espírito.
Por isso, entre nós tudo era simplicidade. Embora as conquistas materiais, as nossas conversas, longas e prazerosas, foram sempre nosso maior tesouro.
Como era bom conversar com você, pai. Como você me compreendia.
Mesmo quando não conseguia me compreender, me ouvia. Atenciosamente, ouvia. Generosamente, ouvia.
E, talvez, não haja gesto maior de caridade, neste mundo, quanto o de ouvir alguém atenciosamente, com os ouvidos da alma.
* * *
Há uma fase quase natural dos filhos, especialmente quando adolescentes, na qual eles querem se diferenciar completamente dos pais.
Criticam seus gostos musicais, cansam-se de suas histórias, de seu modo de agir, envergonham-se, por vezes, de seu comportamento.
Mais tarde, mais velhos, mais experientes, percebem que as semelhanças entre eles e os genitores vão se tornando cada vez mais evidentes.
Hoje, eu me reconheço tanto em você, meu pai. Por vezes, em minha voz, em meus gostos, expressões e até mesmo no hábito de tudo tocar e de falar, incansavelmente, com as mãos.
Hoje, pai, suas mãos não mais estão aqui para eu poder tocá-las. Hoje, meu pai, você partiu.
Entretanto, justamente por me reconhecer tanto em você, não o vejo morto. Você vive em mim. A sua essência uniu-se à minha e nós, pela comunhão do amor, deixamos de ser pai e filho e tornamo-nos irmãos pelo amor.
Dia chegará em que, unidos por esse sentimento universal, juntaremos novamente nossas mãos e, como irmãos, adentraremos à Casa do Senhor.
Nesse dia, contemplando a face divina, em uníssono diremos: Louvado seja, nosso Pai!
Redação do Momento Espírita, em
homenagem póstuma a Aguinaldo E. Pertel.
Em 21.9.2021.
Escute o áudio deste texto