Vivemos, na atualidade, fenômenos culturais muito curiosos. Um deles é o das novas palavras e novos significados para termos antes pouco utilizados.
Pela primeira vez na História, no ano de 2015, o Dicionário Oxford elegeu não uma palavra propriamente dita, mas um emoji, como palavra do ano.
O emoji é uma imagem pictográfica que representa uma palavra ou frase. No caso, a imagem vencedora representava um rosto com lágrimas de alegria.
Todos os anos, a editora elege a palavra que, naquele período, atraiu muito interesse.
Os termos candidatos ao prêmio são debatidos por um júri que, segundo a instituição, escolhe o vencedor com base no potencial duradouro e na significância cultural.
Uma outra palavra que ganhou novo significado foi o verbo visualizar.
Visualizar é diferente de olhar, de ver ou ler.
Visualizar é tomar ciência de algo, num golpe de olhar apenas, sem qualquer tipo de aprofundamento.
O verbo visualizar também instaurou uma urgência pela resposta, pois se alguém visualiza algo e não responde de imediato, desperta do lado de lá uma imensa preocupação.
Visualizou: precisa responder imediatamente.
Visualiza-se algo, mas não se reflete sobre aquilo. Visualizamos uma mensagem e temos pouco ou nenhum tempo de elaborar, seja um pensamento ou uma resposta.
Jacques Lacan, importante psicanalista francês, levanta uma questão que ele chama de tempo lógico.
Para ele, haveria uma diferenciação entre três tempos: o tempo de ver, de compreender e de concluir.
O tempo de ver é o tempo no qual uma certa percepção chega até cada um de nós. É o impacto sensorial que temos quando percebemos alguma coisa.
O tempo de compreender é aquele no qual lemos essa percepção a partir de acontecimentos anteriores de nossa vida, e que fazem com que essa percepção ganhe algum sentido para nós.
Finalmente, é a partir do tempo de concluir que cada um realiza um certo ato, se implica numa decisão, escolhe o que fazer a partir daquilo que compreendeu.
Diante do novo sentido utilizado para o verbo visualizar, temos uma espécie de achatamento entre o que vemos e a precipitação no ato.
Encontramo-nos impelidos sempre a uma resposta, como se ela pudesse ser automática.
Não há o tempo de pensar, de refletir, de analisar.
O novo sentido do verbo passa a ter ares de indiferença, pois é um olhar apressado, quase desinteressado.
Podemos deixar de ver, de compreender e concluir, diante das dores alheias, diante do mundo que pulsa a nossa volta e pede ajuda.
Podemos começar a apenas visualizar nossos amores, suas falas e dificuldades.
Podemos começar a simplesmente visualizar o mundo, ao invés de fazer parte dele ativamente.
* * *
Em tempos em que se contam e comemoram visualizações, é fundamental lembrar que relações saudáveis exigem atenção e tato, exigem dedicação e tempo.
Precisamos nos dar e dar ao outro o tempo de compreender e concluir. Decisões e respostas apressadas trazem consequências graves e, muitas vezes, irreversíveis.
Aceitamos com facilidade as demandas urgentes de um mundo agitado e impaciente. Está na hora de reassumirmos o controle de tudo, com calma, análise e profundidade.
Redação do Momento Espírita, com base em palestra
proferida pela psicanalista Julieta Jerusalinki, no
Programa Café Filosófico, em março de 2018.
Em 17.5.2019.
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