Nós a vimos na rua, com seu carrinho de madeira carregado de material reciclável, onde se sobressaía uma elevada carga de papelão.
Ficamos a imaginar o peso de tudo aquilo. Também pensamos na destreza, para conduzir aquele transporte, em meio ao trânsito intenso da capital curitibana.
No entanto, o que nos chamou mesmo a atenção foi a atitude daquela mulher.
A manhã apenas iniciara e ela aparentava ter dormido ao relento. Contudo, como se estivesse em sua casa, dispôs-se a fazer sua toalete.
Sentou-se na beira de um pequeno canteiro de flores, no meio da calçada.
Num canto do carrinho ela suspendeu um espelho minúsculo e nele ficou se olhando, cuidadosamente.
Ajeitou o cabelo para trás, apalpou as bochechas, passou a mão pelos olhos, pelas sobrancelhas, como se estivesse em delicado processo de maquiagem.
Passamos lentamente por ela e a admiramos.
Aquela mulher puxando aquele carrinho, utilizando muita força, tinha uma autoestima elevada.
Desejava estar bem, apresentar-se arrumada a quem a encontrasse pelas ruas.
Cuidado pessoal, atenção com sua aparência.
E nos recordamos de um fato narrado por uma sobrevivente holandesa dos campos de concentração alemães.
Em suas memórias, narra que, chegando ao campo de Birkenau, foi colocada em quarentena, em um tipo de galpão, junto a outras mulheres, das mais diversas nacionalidades: russas, italianas, norueguesas, holandesas e dinamarquesas.
Mas foram as francesas que lhe proporcionaram algo muito positivo. Naquele local desumano, em que os nazistas desejavam simplesmente acabar com a dignidade das pessoas, ela as viu encontrarem um pedaço de vidro espelhado e um pequeno pente com três dentes.
Com isso, elas penteavam as sobrancelhas. Depois, prendiam pedaços de pano, na cabeça, à semelhança de lenço, tornavam a se olhar naquele espelho improvisado para conferir se ainda estavam minimamente elegantes.
Essas francesas, que arrumavam as sobrancelhas e escondiam a cabeça totalmente raspada, simplesmente para ter uma aparência melhor, em meio ao caos daquele local, afirmavam sua força em não desistir de sua humanidade. Não ceder à pressão de fora para se desumanizar.
* * *
Cuidar da aparência. Atender a mínimos detalhes. Isso fala de amor a si mesmo.
Também fala de estética, de beleza. Afinal, quem não aprecia um leve tom de beleza aqui e ali?
O mundo não dispensa a beleza, em lugar algum. Basta que observemos a prodigalidade da natureza: as flores que vestem de forma exuberante suas pétalas e folhas, em sinfonia de cores; as aves que se mostram, orgulhosas de sua caprichosa plumagem de arabescos múltiplos; a erva dos campos que balança verde e graciosa; os animais ferozes com suas listras, pintas, traçados diversos na pelagem curta ou longa.
Beleza, cuidados. Se o divino Pai cuida assim da erva do campo, das flores, dos animais, quanto mais não espera que nós, seus filhos, nos apresentemos à altura da sua filiação?
Filhos do Pai, zelemos pelo tesouro do nosso corpo e nos apresentemos sempre bem, à imagem e semelhança da grandeza do Celeste Dono Absoluto do Universo.
Redação do Momento Espírita, com base no cap.
Janny Brandes – Brilleslijper, do livro Os sete
últimos meses de Anne Frank, de Willy Lindwer,
ed. Universo dos Livros.
Em 26.2.2019.
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