Aquele era mais um dia, numa grande cidade, dessas comuns, que encontramos esparramadas pelo país.
A urgência habitual fazia com que as calçadas ficassem repletas de pessoas, que corriam, nas suas preocupações do dia a dia.
Com ela não era diferente. Apressava-se na saída do metro, visando desembocar na grande avenida que a levaria aos seus compromissos.
E eram tantos. Pela memória, ia repassando o roteiro das tarefas que lhe competia realizar nas próximas horas.
As escadas rolantes a conduziram para a calçada e para um encontro inesperado.
Justo em sua frente, um jovem. O rosto se escondia atrás da sujeira. Os olhos saltados das órbitas denunciavam o consumo de entorpecentes. As roupas maltrapilhas indicavam o abandono de tudo.
Sua primeira reação foi de medo, de defesa.
Lançou-lhe um olhar assustado, ao mesmo tempo em que levava as duas mãos à bolsa, num movimento de proteção.
Ele a olhou com o resto de lucidez que ainda tinha, e lhe disse: Eu não quero nada, não vou lhe tomar nada.
A reação do rapaz a surpreendeu. Esperava que ele fosse lhe arrancar a bolsa, dar voz de assalto, fazer algum gesto de violência.
A surpresa a fez mudar de postura corporal. Mudou também seu olhar.
Ele então completou a frase: Eu só queria algum dinheiro para a próxima dose.
A dor com que aquela frase foi dita lhe cortou o coração. Pensou em como aquela vida estava se esvaindo na dependência infeliz.
O que fazer por ele?
De imediato, ocorreram-lhe à mente as lições do Evangelho de Jesus.
Ao pensamento, veio-lhe a frase à boca, quase sem raciocínio, mas cheia de sentimento: Eu não posso, não quero lhe dar o dinheiro para a próxima dose, mas posso lhe dar um abraço.
Sem que o jovem pudesse compreender o que se passava, ela o abraçou. E ficou assim, envolvendo-o, demoradamente.
Foram alguns segundos eternos, que a ambos emocionou até às lágrimas.
Ela, condoída pelo jovem desiludido. Ele, impactado pelo gesto de amor inesperado.
Ao afastar-se do abraço, ainda surpreso pelo gesto fraterno, carinhoso, que recebeu, confessou:
Eu estava a ponto de me matar. Nada mais valia na minha vida. Já não me reconhecia como gente. Vivia uma vida de bicho, e era tratado como tal.
Você me lembrou de que sou gente, você me tratou, como há muito não acontecia: como gente. Muito obrigado!
E do mesmo modo como apareceu, sumiu entre a multidão. Ela ficou ali, deixando-se inundar pelas lágrimas, feliz por ter seguido seu impulso de amor.
* * *
Assim se aprende a amar. Tratar aos outros, não importa quem, como gostaríamos que fizessem conosco, ou com algum dos nossos.
Vencer o medo, oferecer o que temos de melhor no coração, nem que seja pelo tempo de um abraço.
Às vezes, é apenas isso que um desconhecido precisa de nós. Uma palavra de otimismo, um sorriso generoso, um olhar de compreensão.
Pequenos carinhos, capazes de amenizar dores e de tratar feridas, dessas que todos trazemos na alma.
Redação do Momento Espírita, com base em fato
narrado na XIX Conferência Estadual Espírita, por
Divaldo Pereira Franco, em Pinhais, Paraná,
em março de 2017.
Disponível no CD Momento Espírita,v. 32, ed. FEP.
Em 26.3.2018.
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