Momento Espírita
Curitiba, 23 de Novembro de 2024
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ícone O outro

Encontrar-se consigo mesmo e travar um diálogo em tal circunstância não é exatamente uma ideia nova.

Muitos pensadores, em algum momento, fizeram alusão a essa espécie de situação.

Jorge Luis Borges, no conto intitulado O outro, desenvolve essa ideia, de modo poético e inusitado.

Narra ele que, quando contava mais de setenta anos, em uma ocasião em que se encontrava sentado no banco de uma rua, à beira de um largo rio, viu-se ao lado de um jovem que assobiava.

Mas não era um jovem qualquer. Era ele mesmo.

Era o jovem que há muito tempo ele mesmo fora.

Reconhecera a si próprio não pela aparência física, mas pela semelhança da voz e pela música que cantarolava.

Reconheceu-se e tentou dialogar com aquele jovem.

Esse, porém, voluntarioso e cheio de certezas, não lhe deu muita atenção.

Afinal, os argumentos daquele idoso não eram plausíveis para seus vinte e poucos anos.

Seus ideais ainda não haviam sofrido qualquer derrota.

Seus sonhos de fortuna e glória encontravam-se intocados pelas dificuldades da vida.

Não compreendia a forma um tanto desiludida com que se expressava o seu eu mais velho.

Iria ele se transformar naquilo? – Questionou-se o rapaz.

O ancião, diante da constatação das semelhanças e das diferenças que havia entre eles – passado e presente - percebeu que não conseguiriam mesmo se entender.

E, no seu conto, conclui, o autor:

Aconselhar ou discutir era inútil, porque seu inevitável destino era ser o que sou.

*   *   *

Diante das lembranças do passado somos capazes de avaliar como foi nossa trajetória de vida.

Quais eram os sonhos que acalentávamos na mocidade?

Quantos deles foram abandonados por falta de persistência?

Quantos deles se mostraram, com o passar do tempo, um grande equívoco?

Quantos amigos inseparáveis foram deixados para sempre, à margem da estrada do tempo?

Quantos nos fazem uma falta tremenda?

Quantos nem sequer do nome nos recordamos?

Quem pensávamos ser?

Do que nos imaginávamos capazes?

E agora?

Qual feição nosso rosto assumiu com o passar dos anos?

O de uma criatura realizada, feliz ou de um ser frustrado, traído pelas próprias expectativas?

Isso não deixa de ser, guardadas as devidas proporções e fantasias, uma forma de se viajar no tempo.

Se considerarmos que o hoje em breve se transformará em ontem, perceberemos que temos a capacidade de transformar o amanhã.

Sobre o tema, em certa oportunidade, o médium Francisco Cândido Xavier disse:

Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora a fazer um novo fim.

*   *   *

Cada minuto é oportunidade de recomeço.

É nova chance para retomar projetos que se mostram necessários, úteis e possíveis.

É o momento certo para restaurar uma importante relação desgastada ou rompida.

É a chance abençoada para, enfim, iniciar a jornada que nos permitirá sermos melhores e, assim, por natural consequência, realmente felizes.

 

Redação do Momento Espírita, com base no cap. 1,
da obra
O livro de areia, de Jorge Luís Borges,
ed. Companhia das Letras.
Em 20.5.2016.

 

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