O que faríamos se, depois de anos de vida com visão total, perdêssemos a possibilidade de ver?
Por certo, alguns de nós diríamos que seria muito difícil de nos habituarmos. Afinal, quem nasce deficiente visual ou na infância é privado da visão, tem amplas possibilidades de adaptação.
Pois a canadense Elizabeth nos oferece um exemplo digno de ser relatado.
Próximo aos setenta anos, ela perdeu a visão, por causa de uma degeneração macular. Conservou a visão periférica.
Ela não pode preencher um cheque, nem dirigir, ler uma carta ou um livro, nem assistir a um filme ou uma peça.
Não pode fazer uma lista de compras, maquiar-se, fazer um penteado, enfim, tudo o que achamos normal e necessário.
Ela mora em Vancouver, sozinha e todos os dias passeia com seu cão, Kiri e sua bengala branca. Tem uma invejável disposição para aproveitar todos os seus momentos.
Fala com todos os passantes, nem que seja apenas um animado Bom dia.
Os que não a conhecem, ficam intrigados com os límpidos olhos azuis, que parecem tudo ver, mas que pouco enxergam.
Acompanhá-la em suas caminhadas é um constante andar e parar, porque ela se detém a todo momento a falar com mais alguém.
Para ela, todos são interessantes. Os donos das lojas a conhecem. As crianças a chamam pelo nome.
Há algum tempo, uma amiga pediu que ela falasse com uma senhora que tinha degeneração macular em estágio inicial e estava arrasada.
Elizabeth recebeu ambas em sua casa, na sala ampla. E foi logo dizendo:
Em primeiro lugar, é bom que você saiba que não se morre de degeneração macular.
Em segundo lugar, devo lhe dizer que você tem direito a três boas crises de choro. Eu fiz isso. Você também é capaz.
Durante mais de uma hora, tratou da vida prática: como e onde obter auxílio, como lidar com as questões diárias, as limitações que surgiriam a pouco e pouco.
E se dispôs a acompanhá-la no processo de adaptação, frisando:
Mas, lembre-se, só três crises de choro! Depois siga em frente.
Elizabeth se acostumou com os livros falados, que recebe todos os meses. Tem muitos amigos e acha que se enxergasse, talvez não tivesse feito tantos.
Ela nunca entrará numa livraria para folhear livros, ler o índice e decidir ou não pela compra.
Não saberá a cor da roupa que estará comprando, a não ser que lhe digam. Não vê o rosto dos seus netos, mas adora ser paparicada por eles.
Também não vê, há mais de dez anos a face de suas filhas. Para isso, ela tem um remédio eficaz, que assim expressa: Minhas filhas? Bem, nunca vão parecer mais velhas para os meus olhos.
* * *
Exemplos assim nos devem motivar à reflexão acerca dos dons que dispomos. Especialmente a visão.
Podemos nos encantar com as flores que desabrocham no jardim, a roupa nova que acabamos de vestir.
Podemos vibrar com a estreia de um filme, olhar as pessoas.
Importante, no entanto, que adestremos a visão profunda, interior.
Exatamente aquela que concede essa força tremenda de superar limites e apreciar as coisas boas.
Uma percepção que faz com que, em verdade, vejamos mais do que a maioria das pessoas e possamos nos tornar criaturas francas, simples, de bem com a vida.
Redação do Momento Espírita, com base no artigo
O que importa para Elizabeth, de Pat Gould, da
Revista Seleções Reader’s Digest, de janeiro/2004.
Em 5.4.2016.
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