Naquele dia, algo parecia diferente. O ar estava leve. As águas mansas imitavam um leito macio.
O cisne arqueou seu pescoço flexível em direção à água e mirou longamente seu reflexo.
Compreendeu o motivo de seu cansaço e do frio que invadia seu corpo, fazendo-o tremer como se fosse inverno. Soube, com absoluta certeza, que sua hora era chegada, e que devia preparar-se para a morte.
Suas penas ainda eram tão alvas como em seu primeiro dia de vida. As estações do ano e o tempo haviam passado sem deixar marca alguma em sua plumagem branca como a neve.
Agora podia partir. Sua vida terminaria em plena beleza.
Endireitando seu lindo pescoço, nadou lenta e majestosamente em direção a um salgueiro sob o qual habituara-se a descansar quando fazia calor.
Anoitecia, e o pôr do sol coloria de vermelho e roxo as águas do lago.
No grande silêncio que caía em torno, o cisne pôs-se a cantar.
Jamais, até então, encontrara tons tão cheios de amor pela natureza, pela beleza do céu, da água e da terra.
Sua doce canção atravessou os ares com um leve toque de melancolia até, finalmente, sumir, lenta, muito lentamente, com os últimos raios de luz no horizonte.
“É o cisne”, disseram os peixes, os pássaros e todos os animais dos bosques e dos prados.
Profundamente emocionados, disseram:
“O cisne está morrendo.”
* * *
Deveríamos aprender com o cisne. Viver a vida em abundância, produzir beleza, oferecer ao mundo o nosso melhor.
Constituir família e legar aos filhos as lições da honra, da honestidade, do trabalho nobre de cada dia.
Escrever um livro, uma carta, um bilhete. Algo que fale de amor, de dedicação.
Semear um jardim, plantar uma árvore, cultivar um campo.
Libertar alguém da ignorância das letras e dos números.
Oferecer um abrigo a quem padece frio. Alimentar a quem tem fome. Ofertar um copo d´agua fresca a quem tem sede.
Em suma, fazer a diferença no mundo.
Se brindado com privilegiado intelecto, dele se servir para ofertar o que de melhor ele possa produzir, no campo das ciências, das letras, do progresso humano.
Se agraciado com a sensibilidade para a música, encher de sons harmoniosos os espaços por onde andam os filhos de Deus, muitos deles cansados e desalentados.
E, dessa forma, recompor-lhes as energias.
Se dispuser da habilidade da construção, edificar o que haja de mais útil e bom para a comunidade: pontes que unam as pessoas, casas que abriguem as criaturas, hospitais, escolas, institutos de pesquisa.
E, mais do que tudo, amar. Amar intensamente a natureza, os seres. Eleger amigos, afetos e com eles dividir o que tenha de melhor.
Finalmente, quando descobrir que os tempos são chegados, que tudo fez e ofertou, que os anos somados lhe apontam o final da vida física, cantar.
Cantar o Hino da Imortalidade e se entregar, sem medo, sem revolta.
Tudo que havia a ser feito, já o foi.
E como um missionário que se dá conta de que cumpriu toda sua missão, que fez além do que o dever lhe determinara, não temer a morte que se aproxima.
Como o cisne, exalar o último canto nesta vida para adentrar, louvando ao Senhor, na outra vida, a espiritual.
Pensemos nisso.
Redação do Momento Espírita, com base no conto O cisne, do livro
Fábulas, de Leonardo da Vinci, ed. Melhoramentos.
Em 16.2.2016.
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