Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo:
“Coitado, até essa hora no serviço pesado.”
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor, essa palavra de luxo.
* * *
Adélia Prado, poetisa mineira, apresenta uma visão muito comum: a de que o estudo é a coisa mais importante que há.
Ainda hoje, é preocupação primordial dos pais dar instrução aos filhos. A coisa mais fina do mundo.
Para os mais simples, apenas poder colocá-los em uma escola.
Para os que têm mais posses, matriculá-los nas melhores instituições de ensino e dar-lhes ainda cursos e mais cursos extras, para se aprimorarem ao máximo. Afinal, o mundo é competitivo.
A grande questão é que o termo educação continua muito ligado às capacidades intelectivas.
Educar, contudo, vai muito além das boas escolas. Educar é a arte de formar caracteres.
Assim, o que torna um filho vitorioso não é apenas o conhecimento adquirido mas, principalmente, sua vivência como homem de bem, de bons hábitos adquiridos.
De que adianta criarmos gênios, se serão usurpadores, desonestos, individualistas e egoístas ao extremo?
Esse outro tipo de educação não está nos livros, nem nos cursos, nem mesmo nas escolas. Está no lar, na relação intensa e profunda que os pais ou tutores conseguem manter com seus educandos.
Está nos exemplos, está no carinho que sobra ou que falta. Está na atenção que recebem ou da qual carecem. Está na disciplina, nos limites. Está no amor, sempre no amor.
Em muitos lares é uma palavra de luxo, pois todos estão preocupados com tantas outras coisas que o esquecem, deixam-no de lado.
Você tem que estudar, tem que ser alguém, tem que passar no vestibular, tem que se formar, tem que arranjar emprego, tem que ganhar bem. É de tirar o fôlego.
Mas será que alguém, nesse caminho todo lembra de perguntar se esse adolescente, esse jovem está feliz com isso? Está se realizando? Está construindo sua personalidade em bases seguras?
Será que ali foi construído um bom caráter, antes de um bom estudante ou de um bom profissional? Alguém que saberá se relacionar bem com as pessoas, que saberá ser agregador, acolherá bem seus irmãos de caminho?
Será que estamos moldando alguém para ser agente transformador do mundo?
Essa transformação só será completa se o conhecimento estiver aliado à moralidade. Não adianta desenvolver uma das asas apenas. A aeronave não alça voo.
Pensemos nisso. Repensemos nossos conceitos sobre educação. O mundo precisa de homens inteligentes. Mas muito mais de homens bons.
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Não basta ensinar à criança os elementos da ciência. Aprender a governar-se, a conduzir-se como ser consciente e racional, é tão necessário como saber ler, escrever e contar: é entrar na vida armado não só para a luta material, mas, principalmente, para a luta moral.
Para despertar na criança as primeiras aspirações ao bem, para corrigir um caráter difícil, é preciso às vezes a perseverança, a firmeza, uma ternura de que somente o coração de um pai ou de uma mãe pode ser suscetível.
Redação do Momento Espírita, com base no cap. 54, do livro
Depois da morte, de Léon Denis, ed. FEB e no poema
Ensinamento, de Adélia Prado, do livro Poesia reunida,
ed. Siciliano.
Em 24.9.2015.
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