Manhã de segunda-feira, cedo. Na instituição benemérita, os funcionários iam chegando, aos poucos, e registrando o ponto.
Na recepção, além da funcionária, estava uma pessoa de aspecto singular.
Passara a noite nas proximidades, na rua, a negociar o corpo e experimentar toda sorte de riscos. Aquele homem, travestido de mulher, corpo visivelmente deformado por injeções de silicone industrial, conversava com quem chegava.
A cada um oferecia um bom dia. Mas era visto com indiferença, espécie de mal disfarçada repulsa em face de sua aparência, sua condição, seu modo de vida.
Um voluntário da instituição chegou e se dirigiu à recepcionista, depois de responder rapidamente ao cumprimento daquele estranho.
Ficou preocupado que a recepcionista se sentisse, talvez, intranquila, com aquela presença. Então, num sussurro, enquanto preenchia um formulário que lhe fora dado, disse à jovem:
Trata-se de criatura que parece estar à beira do abismo. O que devemos fazer com aquele que está à beira do abismo, experimentando a derrocada física e moral: empurrá-la abismo abaixo ou puxá-la, conduzi-la para um terreno firme?
A recepcionista pareceu se tranquilizar. E o voluntário, ainda em voz sussurante, lembrou: Se a pessoa vem até aqui, certamente é para receber alguma ajuda, mesmo que não percebamos.
Estamos em um lugar amparado e protegido, bem assistido espiritualmente.
Nisso, outra funcionária chegou. A cena do Bom dia se repetiu da parte daquele homem. Entretanto, o que sucedeu foi surpreendente e enternecedor.
Ele se dirigiu à recém-chegada, perguntando se ela não se chamava Dóris.
Não, respondeu, de forma espontânea, meu nome é Maria.
Aquela resposta ensejou um diálogo, que se prolongou por alguns minutos.
Então, o inesperado aconteceu. O visitante disse que queria um abraço.
A reação de Maria foi abrir os braços e declarar um sonoro: Não seja por isso!
E abraçou aquela criatura, longa, demoradamente, com um carinho tão particular que lembrou os abraços que se dá aos amigos mais chegados.
Suas mãos envolveram as costas do visitante, naquela atitude de roçar levemente, com os dedos, as costas, como quem deseja amplificar os efeitos do seu ato.
Os olhares dos demais presentes na recepção fixaram-se na cena. Era um misto de estupefação, admiração, espanto, surpresa.
E Maria, tranquilamente, como quem não fez nada mais do que o habitual, despediu-se do visitante e se dirigiu ao seu local de trabalho.
O estranho, tendo recebido o que verdadeiramente desejava, também se foi porta afora.
* * *
Quem sabe das dores, das incertezas e das dificuldades pelas quais passava aquela pessoa?
Quem sabe das decisões que adotará, depois de receber tão significativa demonstração de interesse, desprendimento, carinho?
Quem sabe para quantos passos distantes do abismo aquele abraço conduziu aquele ser humano?
E aquela mulher, mãe, esposa, trabalhadora e, acima de tudo, verdadeiramente cristã nem se deu conta de como tornou radioso o dia de um desconhecido um tanto sem rumo.
Tudo por causa de um abraço, um verdadeiro abraço.
Redação do Momento Espírita, com base
em fato narrado por João Edson Alves.
Em 3.9.2015.
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