No silêncio de sua tarde solitária, a bisavó, olhando para as próprias mãos, se lembrava da netinha.
A menina, com quatro anos, questionava sobre a razão de haver tantas marcas nas mãos da bisa.
Agora, como que tudo rememorando, pensava: Aquelas marcas eram pequenas cicatrizes de cortes com a faca de cozinha, com as queimaduras da gordura das frituras.
Sorriu, ao recordar que a pequena comparara as tantas manchas de suas mãos com umaonça pintada.
Crianças! Bênçãos dos céus aos que vivem na Terra!
Começou a acariciar as próprias mãos, como que desenrolando um filme antigo, que tomava certo colorido nas suas lembranças.
Imaginou-se bebê, descobrindo as mãozinhas, tentando segurar os dedinhos miúdos, levando-os à boca, como que para lhes testar o sabor.
Depois, via-se segurando pequenos objetos e brinquedos, acariciando os seios que a amamentavam.
As recordações fluíam na memória, que muitos julgavam falida, retratando sua infância, curta de folguedos, repleta de pequenos trabalhos no lar.
Como filha mais velha, desde muito cedo ajudara a cuidar dos irmãos menores. Dava-lhes de comer, banhava-os, vestia-os, ninava-os com carinho.
Não fora à escola, pois seu pai dizia que mulher tinha que aprender as tarefas da casa, para bem servir ao marido. Velhos tempos. Arcaicas concepções.
Criança ainda, suas mãos esfregavam as roupas sujas da família, no tanque. Pegavam no ferro de brasas, para alisá-las, engomar algumas.
O fogão de lenha fora um dos primeiros desafios para aquelas mãos tenras, que se tornaram ásperas, como estavam hoje.
A tesoura, a agulha e as linhas nos ajustes e na confecção das roupas para os familiares, também marcaram seus dedos.
O rastelo para limpar o quintal, o machado para rachar a lenha para o fogão, a colher de pau para mexer os grandes tachos de doce, a vassoura, o esfregão...
Essa rotina, começada tão cedo, se prolongara até quando, há alguns anos, filhas e netas pouparam-na de tais afazeres.
Sem perceber, lágrimas quentes rolaram lentas por sua face, igualmente sulcada pelos anos.
Como lhe fizera bem a presença da menina naquele dia.
* * *
Nossas mãos, instrumentos únicos, sagrados, divinos, insubstituíveis.
Não existe tecnologia alguma que se compare, tão pouco se iguale, à tamanha bênção.
Quando utilizadas no trabalho digno, nas tarefas produtivas e positivas, tornam-se raios de luz a iluminar caminhos, nossos e alheios.
Nossas mãos devem ser tidas como ferramentas divinas a criarem a bênção do trabalho, o esparzir do conhecimento, o carinho e o soerguimento moral aos que nos rodeiam.
Por mais marcadas estejam, façamos brilhar as nossas mãos!
Paulo de Tarso dizia que trazia em si as marcas do Cristo. Que nós possamos portar as marcas do trabalho honrado e digno em nossas mãos.
Será um bom começo para nossa trajetória como Espíritos.
Redação do Momento Espírita.
Em 30.7.2015.
Escute o áudio deste texto