Sentou-se na antiga poltrona, ao lado da janela. Lá fora, um entardecer saudoso de outono. O jardim, que sempre lhe fora tão estimado, era por ela contemplado, vivo em cada um de seus detalhes.
Em sua face, a nostalgia, um tímido sorriso, um olhar sereno envolto pelas marcas de seus bem vividos noventa e três anos.
Ao seu lado, o antigo toca-discos. Com um movimento delicado, o colocou para funcionar. Recostou-se na confortável poltrona e se demorou em seus devaneios, ouvindo a famosa intérprete da música popular brasileira:
Mas o tempo é como um rio que caminha para o mar. Passa como passa o passarinho, passa o vento e o desespero. Passa como passa a agonia, passa a noite, passa o dia, mesmo o dia derradeiro.
Eis o tempo, pensou a senhora. Sempre a fluir, inexorável, incansável, preciso, relativo, eficaz, suave, imperceptível, duro, impiedoso, impávido. Por vezes, como melhor amigo. De outras, como pior inimigo.
O tempo e suas contradições, disse para si mesma.
Trouxe a mão à altura dos olhos. Demoradamente, os fixou sobre ela, como se a estivesse vendo pela primeira vez.
O mesmo tempo que me trouxe essas tantas rugas, me trouxe também a sabedoria para que estas mãos guiassem os filhos, os netos, os bisnetos.
Foi ele quem trouxe a destreza para amassar o pão e deixá-lo macio, a desenvoltura para os afazeres da casa, a agilidade para curar feridos durante a guerra.
O tempo e suas contradições, falou a si mais uma vez.
Então, avistou, através da vidraça, uma de suas bisnetas, correndo pelo jardim.
Silenciosa, a senhora riu consigo mesma ao contemplar a bisnetinha de seu coração.
Três anos, apenas três anos, refletiu. Tão jovem, tão cheia de possibilidades. O que lhe reserva o tempo? O que lhe ensinará o tempo? No que a transformará o tempo?
Nesse momento, suave mão pousou sobre o frágil ombro da senhora: No que pensa, minha mãe? Disse-lhe a filha, com sorriso no rosto.
Depois de passar pela guerra, de passar fome, de criar oito filhos, com tamanha dificuldade, de ver tantas pessoas que lhe eram queridas retornarem para junto de Deus... No auge de seus noventa e três anos, quais são os seus pensamentos, minha mãe?
Penso no tempo, filha, respondeu a sábia senhora.
E o que é o tempo, mamãe?
O tempo, minha filha, – e mais uma vez contemplou a bisneta pela vidraça, pensando nas possibilidades que a sequência dos anos lhe reservava, – o tempo é o senhor das respostas!
* * *
Quem pode dizer para onde irá nosso caminho? Quando os nossos sonhos se realizarão? Quando o dia de uma vida terminará para, no nascente, recomeçar?
Apenas o tempo.
Quem pode nos amadurecer os ideais, curar a dor de um afeto não correspondido, nos ensinar a lidar com as perdas e ganhos?
Apenas o tempo.
Quem é que retira todo o valor do dinheiro acumulado a tantos sacrifícios e duramente nos ensina que nosso tesouro se encontra onde está o nosso coração?
Apenas o tempo.
* * *
O tempo é grande dádiva concedida por Deus. Lembremos: O tempo é como um rio. Um rio que deságua no grande mar de nós mesmos e nos inunda de sabedoria, experiência e serenidade...
Pensemos nisso!
Redação do Momento Espírita,
com citação de trecho da música O tempo e o rio,
de Edu Lobo, interpretada por Maria Bethânia.
Em 29.4.2015.
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