Dia desses vi um caminhão de mudança. Não era desses bonitos, carroceria fechada, dos quais somente se sabe que serve para fazer transporte de móveis porque está com uma enorme logomarca da empresa que o identifica.
Era um caminhão de carroceria aberta. E estava cheio de armários, cama, mesa, cadeiras, fogão, um sofá vermelho desbotado. Entre os móveis, panos separando uns dos outros, a título de proteção.
Não estragar o que já era tão velho, tão antigo, tão usado. Alguns desses panos tremulavam ao vento, imitando bandeiras amarelas, vermelhas, brancas.
Feito uma lona, um tapete velho estava jogado sobre parte da mudança, como se pudesse cobri-la. Mas, a carroceria baixa, de madeira, com os flancos descobertos, deixava à mostra toda a intimidade dos objetos de uso.
Um colchão estava no topo da carga. À medida que o caminhão avançava pelas ruas asfaltadas, o colchão balançava e permitia ver que estava marcado, demonstrando muito uso.
Sol do meio-dia. O caminhão prossegue no seu rumo. Cordas enviesadas amarram aqueles pertences, conteúdo de algumas vidas.
A impressão que se tem é de que o dono da mudança pede desculpas, à medida em que o veículo passa, por enfear as ruas elegantes do bairro nobre pelo qual transita, em direção à periferia.
Perguntas ficam no ar. O que fez com que o dono dessa mudança esteja trocando de endereço? Terá sido despejado? Terá ocorrido uma separação do casal e os bens estão sendo divididos?
Será uma família que se está transferindo para uma nova vizinhança? Será ou não bem aceita nesse novo local para onde se dirige?
As crianças estarão deixando amigos? Existe uma família ou o dono da mudança vai morar só?
As respostas bailam na imaginação dos passantes. Verdade é que aqueles poucos móveis registram histórias de pessoas comuns, pessoas lutadoras, pessoas que fazem planos, pessoas que tiveram seus planos destroçados, pessoas que acreditam ou talvez pessoas que tenham perdido toda esperança.
* * *
Um caminhão de mudanças, alguns móveis... E quantas perguntas... Quanto a nossa imaginação se agita, pensando no que cada uma daquelas peças representa na vida de uma ou de várias pessoas.
E, por fim, pensamos que talvez, o dono daqueles objetos possa ter partido para a Espiritualidade e a casa onde morava foi esvaziada.
E tudo o que representou o seu tesouro na Terra está ali, na carroceria daquele caminhão.
Então, nos acode à mente de como somos frágeis e passageiros. Hoje estamos aqui e amanhã poderemos estar em outra dimensão.
E tudo de que nos servimos, o que se constituiu nossa propriedade ficará por aqui, para ser levado para algum lugar, para servir a outras pessoas, ou simplesmente ser descartado.
De nós, no mundo, somente restarão as lembranças do que fomos e do que fizemos, do amor que cultivamos nos corações, dos benefícios que produzimos, das vidas que influenciamos.
E seremos Espíritos livres, numa outra realidade, empreendendo nova jornada para a continuidade do progresso até a perfeição.
Pensemos nisso e utilizemos os bens materiais com a sabedoria de quem tem certeza de que eles são apenas empréstimos temporários.
Sirvamo-nos deles mas treinemos desapego porque nós somos passageiros em trânsito, na nave chamada Terra.
Pensemos nisso.
Redação do Momento Espírita, a partir de
pensamentos de Noeval de Quadros.
Em 25.6.2014.
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