Célia namorava Richard há quase um ano. Ele era viúvo e tinha dois filhos. Desde que o encontrara, sentira que uma nova razão de viver a invadira.
Durante algum tempo ela vivera na sombra da solidão, amargando a separação do primeiro marido. Atendia os seus filhos, os deveres do lar, a profissão, mas sentia como se algo dentro dela se tivesse quebrado, partido, de forma irremediável.
Quando Richard apareceu em sua vida, tudo se modificou. A história dele também era um pouco triste. Ele enviuvara, depois de uma longa e penosa enfermidade da esposa.
Ele e os filhos haviam presenciado a esposa e mãe partir, derrotada na sua luta contra o câncer.
Foi então que, numa manhã de sol de primavera, a tormenta bateu outra vez à porta do coração de Célia. Ela descobriu um caroço no seio. O diagnóstico médico a surpreendeu: o caroço era maligno.
Seu primeiro pensamento foi para Richard e os filhos dele. Fazia pouco tempo que eles tinham enfrentado um grande sofrimento por causa dessa mesma doença.
Como ela poderia trazer de novo para suas vidas esse terrível problema? E tomou uma decisão: romperia o relacionamento com Richard, libertando-o da carga que ela sentia ser.
Telefonou-lhe e, sem qualquer explicação, pôs fim ao namoro. Durante várias semanas ela se recusou a atender os seus telefonemas e devolveu todas as suas cartas.
Mas Richard não desistiu e continuou a persegui-la, implorando para vê-la.
Finalmente, ela cedeu ao cerco e marcou um encontro. Preparou cada palavra meticulosamente. O encontro deveria ser um adeus e ponto final.
Richard parecia extremamente tenso e abatido. Gentilmente, ele perguntou por que Célia tinha terminado o namoro. E ela, de repente, esqueceu o discurso preparado, as desculpas alinhavadas e, quase em lágrimas, falou a verdade. Contou sobre o tumor no seio.
Disse que tinha se submetido a uma cirurgia há alguns dias e estava se preparando para iniciar as sessões de quimioterapia, na semana seguinte.
Você e seus filhos já passaram por isso uma vez, falou ela. Não vou colocá-los de novo nessa situação.
Os olhos de Richard a contemplavam, surpresos. Ele mal conseguiu perguntar:
Você tem câncer?
A pergunta pareceu soar como uma acusação. Sem dizer uma palavra, ela balançou a cabeça. Agora, as lágrimas desciam pelo seu rosto, como uma suave cascata deslizante.
Richard a envolveu com carinho em um doce abraço. Encostou a sua na cabeça dela e a estreitou junto ao próprio peito. Com a voz tomada pela emoção, murmurou:
Célia, podemos lidar com o câncer. Sabemos como lidar com isso. Pensei que você não me amava... O meu amor fará você lutar com maior vigor.
* * *
Algumas vezes, nossa vida é fortalecida pela descoberta de que os outros precisam de nós.
Outras, quando descobrimos, sem sombra de dúvida, que nosso amor é importante para alguém, de uma forma que não imaginávamos, ou que alguém nos ama exatamente como somos.
Talvez só sejamos capazes de servir verdadeiramente aqueles que desejamos tocar, não com nossas mãos, mas com nossos corações e até com nossas almas.
Amar, no sentido mais profundo, é fortalecer-se um no outro para o enfrentamento das dores e a busca da vitória.
Redação do Momento Espírita, com base no capítulo Linha
vital, do livro As bênçãos do meu avô, de Rachel Naomi Remen,
ed. Sextante.
Em 11.6.2014.
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