Quantas vezes já reclamamos da vida, enumerando problemas que não cessam de se avolumar?
Quantas vezes já dissemos do nosso cansaço ante as lutas que nos parecem sem tréguas?
Foi exatamente num desses dias em que nos preparávamos para principiar a ladainha das murmurações, que alguém nos falou de Eliana Zagui.
A artista plástica vive há trinta e seis anos no Hospital de Clínicas, em São Paulo.
A poliomielite que a alcançou, antes de completar dois anos de idade, quase a levou à morte.
Eliana sobreviveu, mas os meses demonstraram que ela jamais poderia viver em outro lugar que não o hospital.
Ela perdeu a mobilidade do tronco, dos membros e vive deitada.
Aprendeu a ver o mundo na horizontalidade. Nas raras vezes em que teve autorização para se ausentar do hospital, precisou de aparato de ambulância, médicos, enfermeiras, atendentes.
Aprendeu a ler aos doze anos. Até então, porque a expectativa de vida de quem possui problemas de saúde semelhantes aos seus era muito pequena, não houvera preocupação com a alfabetização.
Eliana aprendeu a segurar o lápis com a boca. Aprendeu a digitar no computador da mesma forma. E a pintar.
Ler a respeito da vida dessa artista plástica é sofrer com ela todas as desilusões. Também se alegrar com os pequenos nadas que fazem a felicidade de quem vive, há quase quatro décadas, em um hospital.
É chorar com a descrição do abandono dos pais. Enquanto criança, tratava de desculpar a ausência deles por pensar que moravam muito longe.
Ao descobrir a correta geografia, a tristeza a abraçou. Não era tão distante quanto pensava.
É sofrer cada uma das mortes das crianças que viviam no mesmo local e, uma a uma, se foram, deixando um vazio na alma de Eliana.
É ouvi-la se indagar: Serei a próxima? Quando será minha vez?
É se enternecer ao ler a descrição dos seus enamoramentos, a idealização de sonhos e, uma a uma, as cruéis desilusões: ela não era amada com a mesma intensidade com que entregava o seu coração.
Estar sempre deitada, depender de enfermeiros, médicos e aparelhagem para a continuidade da vida; acompanhar a partida dos amigos que demandam a pátria espiritual; sofrer as dores dos que padecem ao lado parece ser uma vida monótona e sem sentido.
Mas Eliana dá o exemplo da superação. E são suas as palavras: Tenho aprendido que minha fé em Deus e minha determinação podem concretizar meus sonhos mais difíceis, desde que eu saiba o que fazer e avalie todos os riscos e consequências de cada ação.
* * *
Pensemos nisso: se desfrutamos da ventura de ir e vir, de andar, sentar, deitar, somos criaturas infinitamente felizes.
Se temos a ventura de ver, ouvir, a capacidade de ler, aprender, ensinar, somos seres muito ricos.
Se temos mãos, braços que se movem ao nosso comando, desfrutamos de ventura ímpar.
Antes de reclamarmos do que não temos, lembremos que somente o fato de poder respirar com os próprios pulmões, já é uma grande bênção.
Pensemos em nossas riquezas pessoais e sejamos gratos.
Redação do Momento Espírita, com base em dados colhidos no livro Pulmão
de aço – uma vida no maior hospital do Brasil, de Eliana Zagui, ed. Belaletra.
Em 25.3.2013.