A cidade deseja ser diferente, escapar às suas fatalidades.
Enche-se de brilhos e cores; sinos que não tocam, balões que não sobem, anjos e santos que não se movem, estrelas que jamais estiveram no céu.
As lojas querem ser diferentes, fugir à realidade do ano inteiro: enfeitam-se com fitas e flores, neve de algodão de vidro, fios de ouro e prata, cetins, luzes, todas as coisas que possam representar beleza e excelência.
Tudo isso para celebrar um meninozinho envolto em pobres panos, deitado numas palhas, há cerca de dois mil anos, num abrigo de animais, em Belém.
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Cecília Meirelles apresenta um cenário muito comum, ainda nos dias de hoje, na época de Natal.
As ruas, o comércio, as pessoas, todos se enfeitam, sem saber muito bem o porquê – a bem da verdade.
Se pararmos para pensar, pensar profundo, encontraremos poucas ligações reais entre toda essa balbúrdia, todos os badulaques e ornamentações, e o meninozinho envolto em pobres panos e palhas – como lembra a escritora.
Será que paramos para pensar, refletir, sobre o significado desse nascimento?
É apenas um fato histórico que celebramos?
Pois se for apenas isso, nem mesmo estamos fazendo direito, uma vez que a data é apenas uma convenção. Estudos mais elaborados mostram outras datas bem mais prováveis para a chegada do menino à Terra.
Não... Não pode ser apenas isso.
O nascimento dEle é algo muito maior. É um marco para a Humanidade. Não por dividir o tempo, mas por ser o início da era do amor na face da Terra.
Antes dEle, não compreendíamos o amor, e Ele nô-lo mostrou de uma forma inesquecível.
Não... Todos esses brilhos externos, essas suntuosidades estranhas não representam o meninozinho em suas palhas.
Os panos, a palha significavam o recolhimento e a simplicidade – esses os verdadeiros símbolos do Natal.
Recolhimento – a viagem para dentro de si, para dentro de suas virtudes e imperfeições, conhecendo o que se precisa burilar e conquistar.
O recolhimento da paz, da tranquilidade perante os obstáculos, da confiança em Deus.
Simplicidade – despir-se das complicações, dos excessos, dos supérfluos que escravizam.
Despir-se do orgulho e do egoísmo, que tanto alarde fazem em nosso coração, sufocando nossa verdadeira voz e encobrindo nosso real brilho – brilho de deuses.
Sim... O recolhimento e a simplicidade são os verdadeiros símbolos do Natal, como tão bem percebeu nossa poetisa:
São as cestinhas forradas de seda, as caixas transparentes, os estojos, os papéis de embrulho com desenhos inesperados, os barbantes, atilhos, fitas, o que na verdade oferecemos aos parentes e amigos.
Pagamos por essa graça delicada da ilusão. E logo tudo se esvai, por entre sorrisos e alegrias.
Durável — apenas o meninozinho nas Suas palhas, a olhar para este mundo.
Redação do Momento Espírita, com base em capítulo do
livro Quatro vozes, de Carlos Drummond de Andrade, Cecília
Meirelles, Manuel Bandeira e Raquel de Queiroz, ed. Record.
Em 20.12.2012.