O dia estava nublado. Várias pessoas aguardavam o ônibus na estação tubo, resguardando-se do vento frio, que soprava forte.
Os olhares de todos se revezavam entre o relógio de pulso e a rua à esquerda, de onde deveria vir a condução.
De repente, a porta central se abriu e os olhares ali se concentraram, não entendendo o porquê, desde que nenhum ônibus estava à vista.
Então, viram que o cobrador saiu de seu posto, saltou para a rua e se dirigiu alguns metros adiante, à direita.
Um rapaz aguardava na calçada. O cobrador lhe ofereceu o braço e juntos atravessaram a rua. O rapaz era cego.
Os passageiros que aguardavam o ônibus se entreolharam, admirados. O gesto fora inusitado, considerando-se ainda que ninguém se apercebera da dificuldade do deficiente visual.
Contudo, o cobrador estava atento e, deixando seu posto, foi prestar solidariedade ao seu irmão, deixando-o, tranquilo, do outro lado da rua.
Houve cumprimentos de alguns para ele. Houve quem fosse além e lhe desejasse bênçãos celestes.
Ele corou e disse: Nada fiz demais. Eu vi que ele estava inseguro para atravessar e resolvi ajudar.
* * *
O cobrador era um jovem. Para aqueles que costumam dizer que o mundo está perdido, que ninguém se importa com ninguém; que a juventude vive alheia ao seu entorno, o gesto inusitado prova o contrário.
Poder-se-á dizer, quem sabe, que é um em um milhão. Pelo contrário, para quem tem olhos de ver, esses exemplos se multiplicam às dezenas.
O que ocorre é que, normalmente, da mesma forma que os passageiros, temos os olhos postos somente em uma direção, não nos permitindo alargar a visão, buscando outras paisagens.
O bem está no mundo e se apresenta, diariamente, em gestos anônimos e desinteressados como o da pessoa que vê cair a carteira da bolsa de alguém, a apanha e corre até alcançá-la, a fim de a devolver.
Ou de quem percebe que o cadeirante está com dificuldades para subir à calçada e se oferece para auxiliar;
Da vizinha que se predispõe a cuidar das crianças, enquanto os pais necessitam atender a uma emergência; da atendente hospitalar que, extrapolando seu horário de trabalho, fica com o paciente até que chegue seu familiar, para que ele não se sinta só ou entre em pânico; da mãe que leva pela mão seu filho a saborear um sorvete e, observando que outra criança o fixa com olhos de desejo, a essa oferece idêntica gostosura; de alguém que encontra um cão pela rua e, percebendo ser bem cuidado, cogita que deva pertencer a quem muito o quer e se esmera em descobrir seu dono. Pensa que possa ser de uma pessoa solitária, cuja companhia única lhe seja o animal.
Ou, quem sabe, de uma criança que lhe chora a ausência, intranquila e medrosa.
Sim, há muito bem no mundo. Há quem divida o próprio coração para amar os filhos da carne alheia.
E adicione água ao feijão a fim de servir um prato a mais a quem tem fome. E subtraia pequenos desejos pessoais, a fim de atender a verdadeiras necessidades de terceiros, tudo numa bendita e especial matemática.
Uma especial matemática cujo resultado é amor, harmonia, bem-querer, um mundo melhor.
Redação do Momento Espírita.
Em 17.02.2012.