Eles formavam um casal maravilhoso. Quando passavam pela rua, vários olhares os seguiam, quase com inveja. Transmitiam felicidade.
Quando se olhavam, profundamente nos olhos, sorriam. As mãos entrelaçadas vez ou outra se soltavam para que um acarinhasse o outro.
Um verdadeiro namoro cinematográfico. Daqueles dos velhos tempos em que um beijo era o ápice e o fim do filme.
Sua presença chamava a atenção, sobretudo, quando adentravam alguma loja. Era sempre ela que falava, solicitando ao vendedor o que desejava. Mesmo que o artigo se destinasse ao cavalheiro que a acompanhava.
Ele passava as mãos pelo artigo, examinava e olhava para ela. A comunicação se dava pelo olhar, um sorriso, um aceno de cabeça, que definia a compra ou não.
De outras vezes, era ele que se aproximava de um perfume, uma joia, uma flor e apontava com o dedo, sorrindo. Logo mais, o mimo se encontrava nas mãos dela que continuava sorrindo, feliz.
Quando se sentavam no banco do grande parque, olhando a meninada a correr atrás da bola, andar de bicicleta, gritar, as suas mãos se apertavam mais fortemente e ela repousava sua cabeça no ombro dele.
Sempre em total mutismo. Um casal bem diferente, com certeza.
Mas não foi sempre assim. Quando se casaram, há mais de vinte anos, jovens e afoitos, falavam muito. Até demais. Ao ponto de chegarem a discutir porque um falava mais alto e mais depressa que o outro, desejando que a sua vontade fosse respeitada.
Assim foi por largo tempo. Com a vinda dos filhos, dos reveses da vida, foram aprendendo que a palavra devia ser utilizada em momento oportuno.
Mas havia algo nele que ela simplesmente adorava. Era a sua voz. Ele cantava melodias tão românticas para ela. Ao ponto dela o chamar de seu pássaro encantado.
Até que um dia, triste dia, uma enfermidade terrível tomou a garganta do marido. Foram meses e meses se arrastando em consultórios e hospitais, submetendo-se a exames, cirurgia, pós-operatório.
Verificou-se que ele perdera toda e qualquer possibilidade de tornar a falar. Quando ela se abateu como uma flor na haste, sem água, sem vida, ele descobriu outros meios de comunicação. Passou a usar os olhos e os gestos com prioridade.
E, com os olhos cria clarões que são melhores do que a palavra.
Na luz dos olhos, ele coloca perguntas e respostas mais harmoniosas e amorosas. Por outro lado, encontra nos gestos, caminhos amplos onde a comunicação pode ocorrer com mais meiguice.
* * *
A palavra nos foi dada por Deus para a comunicação, para a criação da beleza, para tudo o que é positivo e engrandeça a vida em sociedade.
Quando ela nos falta, é natural que nos sintamos desprovidos de um instrumento grandioso de comunicação. Contudo, importante descobrir nos demais atributos de que Deus nos dotou as infinitas possibilidades de comunicação.
Os olhos, as mãos, os braços podem se transformar em olhares de ternura, em afagos de carinho e abraços protetores que traduzem os sentimentos da alma que ama a vida e agradece a Divindade pelas possibilidades que ainda detém.
Redação do Momento Espírita, a partir de depoimento de Milton de Lima Souza, escrito dez dias antes de sua morte, ocorrida em agosto de 1999, aos 74 anos de idade.
Em 04.01.2011.