Momento Espírita
Curitiba, 22 de Novembro de 2024
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ícone Regatos no deserto
 

Aquele homem era muito mesquinho. Uma pessoa amarga. Tinha a capacidade de brigar com as crianças se elas ousassem colocar um pé no seu gramado.

Não gostava que elas andassem de bicicleta em frente a sua casa. Por tudo isso, o senhor José era detestado.

Dentre todos os meninos da vizinhança, contudo, havia um que quase o odiava. É que um dia, Ricardo, nos seus nove anos, passara com sua bicicleta pela calçada do senhor José e este o acertara com uma pá.

O garoto não deixou por menos. Foi até em casa, pegou uma bola de soprar, encheu-a de água e jogou no vizinho irritado.

Ele chamou um policial que transmitiu um alerta sobre Ricardo.

Um pouco depois, o policial encontrou Ricardo no jardim de sua própria casa. Parou o carro, andou em direção ao garoto e quando esse se preparava para levar a maior bronca, o policial colocou a mão pesada sobre seu ombro e lhe disse: É isso aí. Gostei de ver. Acertou em cheio.

Ele também não gostava do senhor José.

Depois disso, Ricardo nunca mais passou pela frente da casa do senhor José.

Vinte anos depois, num belo dia de primavera, passeando próximo da casa de seus pais, Ricardo viu o homem. Ele reunia as folhas mortas do quintal com um ancinho e vendo-o, se aproximou.

Ricardo ficou nervoso. Mas o senhor José foi até ele e estendeu a mão. O homem violento, rabugento de vinte anos antes, era só gentileza. Havia mudado. A raiva desaparecera.

A mudança começara depois que a mãe dele morrera e ele se sentira só. Com o passar do tempo aprendera que, em vez de afugentar as crianças, ele deveria atraí-las para sua varanda e lhes dar biscoitos.

Aprendera que ninguém consegue viver sozinho e que as pessoas são mais importantes do que a calçada, a casa, os ladrilhos brilhantes, o gramado impecável.

Quando se está só e se tem vontade de conversar com alguém, os móveis não podem nos dar respostas e nem os objetos nos abraçar.

Ricardo apertou a mão do vizinho e sorriu. Enquanto sentia o calor da mão calejada do inimigo de outrora, lembrou-se do que lera, um dia, nos ditos do profeta Isaías, a respeito de Deus criar regatos no meio do deserto, colocando graças onde jamais estiveram antes. Graças como o amor onde sempre havia ódio.

E Ricardo teve a certeza de que naquele início de primavera, ele entrara em um desses regatos, como num oásis de paz.

Ele acabara com uma inimizade e possuía agora um amigo.

*   *   *

Para o pessimista, as pessoas não mudam nunca e o mundo está cada vez pior.

Para quem acredita na força do amor e na generosidade da vida, sempre é tempo das criaturas mudarem o rumo de suas vidas, não importando a idade, a cultura, o local onde vivam.

Para os que desejam o bem, nunca é tarde para refazer caminhos, pedir desculpas, reconquistar corações.

Para quem ama, apesar dos ventos frios do inverno e das folhas mortas do outono, a primavera é uma constante no terreno do coração.

 

Redação do Momento Espírita, com base no artigo O que aprendi com os vizinhos, publicado em Seleções Reader´s Digest, de abril de 1999.

Em 10.09.2010.

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