O velho Tintino doente segue sempre de rua em rua. Nem ele sabe onde mora, só sabe que continua.
Continua caminhando, com vontade de chegar...
Chegar onde? Ele é sozinho, não tem a porta de um lar.
Caminha a passos lentos apoiado em seu cajado e os noventa janeiros pesam sobre o seu corpo cansado.
Seu rosto está todo encarquilhado parecendo rugas de cera. Fora somente palhaço, e em muitos circos vivera.
Nesse dia estava aflito, sentia dores sem conta. Tinha mais frio, mais febre, trazia a cabeça tonta.
Tintino pensava consigo mesmo: Ah! Se eu tivesse uma esteira e um cobertor, um quarto para dormir...
Lembrava a infância risonha, no rancho humilde. O pai cultivando a roça, a mãe a beijar-lhe o rosto...
De manhã, café à mesa, pão com manteiga na sacola, depois, as rixas alegres entre os colegas da escola.
Após a morte dos pais, levados por Deus ao céu, fez-se menino de circo, servindo, perdido ao léu.
Sozinho fez-se um palhaço...
Brincava de cena em cena.
Agora rememorava as piruetas da arena...
Deram-lhe um nome: Tintino...
Isso talvez porque usasse, toda vez que se exibia, diversas tintas na face.
Recordava as grandes noites, a música alvoroçada, as palmas, chapéus e flores e os gritos da meninada.
Quanto mais ampla era a festa, quanto aplauso, quanta gente! Depois... Enfermo e cansado, era Tintino somente.
Começara a chuva leve...
Sob indomável temor, decidiu-se a procurar quem lhe desse um cobertor.
Vinha a noite... E ele embaixo da ponte, onde há muito residia. Enfrentaria, é certo, geada com ventania.
Foi ao próximo armazém, pediu, recebendo um não. E o dono ainda falou: Saia daqui, seu beberrão!
Cachaça? Nunca bebi... Disse o pobre amargamente. Mas o comerciante insistiu: Caia fora, siga em frente!
Tintino desanimado voltou para baixo da ponte.
Caía a noite chuvosa, quantos carros em vai e vem! Tintino queria amparo, mas não surgia ninguém.
Meia-noite... Trevas densas... Sobre a pedra, fraco e mudo, o pobre não mais se erguera... O vento gelava tudo.
Se pudesse, gritaria, mas em vão tentava falar! Quem lhe traria remédio para acalmar o peito sem ar?
Por fim dormiu e sonhou que estava como queria. Renovado e bem disposto, numa noite de alegria.
Escutou alguém cantando... Que linda voz! De quem era? Viu-se em noite enluarada com cheiro de primavera.
A roupa nova que usava era tão bela que parecia feita com fios de prata mais clara que a luz do dia.
Seguia estradas de flores, admirado por vê-las...e, andando, achou-se ante um circo todo enfeitado de estrelas.
Entrou e ouviu logo as palmas de muito povo, crianças vinham em bando para abraçá-lo de novo.
Onde estaria? Indagava - Em que formoso país? E, embora seguindo a esmo, o pobre ria feliz.
Assim que ouviu a música já quis logo trabalhar, mas percebeu, prazenteiro, a criançada a vibrar no picadeiro.
Um moço surgiu à frente e falou, dando-lhe a mão: Tintino, você chegou à grande libertação.
Você construiu no circo, servindo de bom humor, a estrada que o trouxe agora ao reino de paz e amor.
Que vejo? Gritava ele... E o suave amigo explicava: São as crianças da Terra a quem você consolava.
Mais além é a multidão, que trabalhava e sofria, para a qual você levava o pão de luz da alegria.
O céu vela sobre todos, não há serviço infecundo. Eu sei que você chorava embora alegrando o mundo...
Há quem reclame dos outros recreações sem medidas, sem perceber que derramam muitas lágrimas escondidas. O circo pagou a graça que você distribuiu, mas Deus lhe premia agora, as dores que ninguém viu.
Tintino em pranto indagou ao moço vestido em luz: Diga, senhor! Quem me fala? E ele disse: Eu Sou Jesus!
Amparado por Jesus, lá se foi nosso palhaço, crendo ver nas estrelas, trapézios soltos do espaço...
* * *
No outro dia, uma senhora viu Tintino olhando o alto. Aproximou-se para observá-lo mas percebeu que o mendigo estava morto, caído na beira do asfalto.
No rosto imóvel havia uma expressão de criança que tivesse adormecido, numa festa de esperança.
Tintino agora liberto, do corpo velho e cansado, faz piruetas no espaço para
alegrar a criançada
Redação do Momento Espírita,com base no livro Tintino,
o espetáculo continua, pelo Espírito Francisca Clotilde,
psicografia de Francisco Cândido Xavier, ed Geem.
Em 19.07.2010.