Momento Espírita
Curitiba, 25 de Novembro de 2024
busca   
no título  |  no texto   
ícone A gaveta da identidade

Hoje, pela manhã, exatamente como um raio de sol, você entrou em meu quarto. Seu olá teve o som de uma sinfonia imortal para os meus ouvidos.

Esperei que você se aproximasse de mim, porque minhas pernas já não são tão firmes e tenho dificuldades para me manter em pé.

Você ficou à distância. Reclamou do cheiro de mofo e abriu amplamente a janela. Fiquei feliz porque sempre dependo de que alguém chegue e faça isso por mim.

Amo os dias de sol. Eles me recordam os dias felizes em que a memória não me traía tanto e eu podia me sentir útil, realizando pequenas tarefas no lar.

Com a voz fraca, tentei conversar. Mas acho que você deve estar com muitos problemas, porque traz a face enrugada e parece muito contrariado. Suas respostas foram curtas e secas e resolvi me calar, respeitando as suas preocupações.

Foi aí que você abriu a minha gaveta, aquela pequena da minha cômoda. Quanto lixo!, foi o que você disse.

Meu coração começou a saltar. Você estava mexendo no meu tesouro. Alegrei-me porque agora, pensei, poderia lhe falar do significado de cada uma daquelas pequenas joias.

A foto amarelada de seu avô e eu. Foi tirada durante nossa lua de mel. É em preto e branco. Mas eu recordo que o cravo na lapela do seu avô era vermelho e o meu vestido era estampado com flores miúdas coloridas.

Mas, o que você está fazendo? Não revire deste jeito as coisas da gaveta. Você poderá amassar a fita azul que eu usava nos meus longos cabelos. Ou então o papel de bombom que está aí. São tantas preciosidades.

Não, não é lixo! É minha vida. Não jogue fora.

Como não tenho com quem trocar ideias, nem quem me ajude a relembrar os dias vividos, que teimam em escapar da memória, sirvo-me dessas coisas antigas para avivar as recordações.

Elas são o diário da minha vida. A flor seca me foi dada por sua mãe, em criança, num feliz dia do meu aniversário. Ela perdeu o viço, o perfume mas encerra lembranças dos dias venturosos em que aguardava as crianças virem da escola, esperava meu eterno noivo retornar da fábrica.

Você estabelece o horário para eu comer, dormir, acordar. Não posso ter vontades, nem desejos atendidos.

Os meus sonhos, as minhas melhores realizações estão encerradas nesta gaveta. Os objetos que guardo me ajudam a lembrar que eu existo.

Não jogue fora minha identidade. Ela é feita de todas essas pequenas coisas que você chama de lixo e eu chamo Meu tesouro.

  *   *   *

Aprendamos a ver nos olhos da criança a mensagem da esperança e nos cabelos brancos a lição da experiência.

Não nos esqueçamos que os que hoje vivem a velhice, foram homens e mulheres que deram o seu valioso contributo ao Mundo.

Foram eles que nos geraram, permitindo-nos a vida na Terra. Foram eles que nos educaram. Foram eles que prepararam as bases para que pudéssemos desfrutar na atualidade esse mundo de conforto, de tantas e proveitosas oportunidades.

Tratemos muito bem os nossos idosos, hoje, enquanto estão conosco. Amanhã, poderá ser tarde demais.

 

Redação do Momento Espírita.
Disponível no livro Momento Espírita, v. 6, ed. Fep.
Em 4.1.2013.

© Copyright - Momento Espírita - 2024 - Todos os direitos reservados - No ar desde 28/03/1998